O que resiste ao regressar?

O que resiste ao regressar?
Férias — esse júbilo socialmente aceito do prazer momentâneo. Nem sempre permitido em saberes e sabores, mas, quando possível, inevitável em suas impressões: palatáveis, olfativas, visuais, memoráveis.
O que, afinal, irá resistir das férias diante da rotina do labor cotidiano?
Para Paul Valéry, há ao menos duas vias, sempre conjugadas entre a memória e o esquecimento.
1. Atentar para a distância entre o ocorrido e o fixado — o fio.
Esforço-me, então, escrevendo versos e compondo imagens:
a luz invadindo
o seu rosto
cobrindo
os pensamentos
não bastam
os versos são
o medo
do esquecimento
2. Viver em plenitude do agora, sem se distinguir do viver, nem se atrasar em relação a ele.
Assim nos orienta Cecilia Pavón, em um de seus poemas:
Ahora, voy a pasar otra tarde
pensando en que la poesía es un gas
o una piedra
otra tarde pensando que me gustaría
dormir sobre una piedra
grande y lisa
otra tarde en la que me gustaría sonreír
cuando siento que la poesía es un gas
que envuelve el mundo
y yo solo estoy en mi casa
colgando la ropa
y lavando las tazas del café.
Mesmo atento; escrevendo, filmando , a questão ainda resiste:
por que me lembro do café que tomei no Mercado San Telmo e preciso investigar nas fotos e anotações em busca dos demais locais?
Na cultura védica, há o termo saṁskāra: as impressões deixadas na mente pelas experiências passadas — tão profundas que podem atravessar vidas.
Não a lembrança em si, mas a sensação, o aprendizado, o sentimento de pertencimento, de conhecimento...
E é aqui que paro e entendo: não se trata de reter.
Nada podemos na permanência.
Não há memória que resista ao tempo, às outras experiências, à falência e à dormência.
Resta-nos mergulhar nas correntezas da impermanência — entre braçadas de esquecimento e de memória, nadar, nadar…
para, quando possível, mergulhar de fato.
Mergulhar na nascente do Rio Ganges, na cabeceira do Himalaia me parece um bom plano de férias.



